Cordel da Arte Contempor¢nea Brasileira

O artista finlandes Kristofer Paetau lana o convite ao cordelista Isael de Carvalho, e apresenta-nos, atravs da rima popular, os elementos da „fam­lia“ da arte contempor¢nea brasileira: desde Lygia Clark a me experimental at ao Neto (Ernesto) bem sucedido. A narrativa cantada pelo repentista Miguel Bezerra no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, cruzando culturas que nos habituamos a ver separadas.

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Contedo do Cordel da Arte Contempor¢nea Brasileira:

Introduo: poticas poticos
Lygia Clark: a me experimental
Hlio Oiticica: o pai herico
Nelson Leirner: o padrinho pop
Artur Barrio: o filho adotivo
Cildo Meireles: o filho prdigo
Tunga: o filho querido aguerrido
Ernesto Saboia: o Neto bem sucedido

 

Sobre a literatura de cordel:

A „Literatura de cordel“ tambm conhecida no Brasil como „folheto“, um gnero liter¡rio popular escrito frequentemente na forma rimada, originado em relatos orais e depois impresso em folhetos. Remonta ao sculo XVI, quando o Renascimento popularizou a impresso de relatos orais, e mantm-se uma forma liter¡ria popular no Brasil. O nome tem origem na forma como tradicionalmente os folhetos eram expostos para venda, pendurados em cordas, cordis ou barbantes em Portugal. No Nordeste do Brasil o nome foi herdado, mas a tradio do barbante no se perpetuou: o folheto brasileiro pode ou no estar exposto em barbantes. Alguns poemas so ilustrados com xilogravuras, tambm usadas nas capas. As estrofes mais comuns so as de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou cordelistas, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola, como tambm fazem leituras ou declamaµes muito empolgadas e animadas para conquistar os poss­veis compradores. Para reunir os expoentes deste gnero liter¡rio t­pico do Brasil, foi fundada em 1988 a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, com sede no Rio de Janeiro.

 

Sobre o projeto de Kristofer Paetau:

Aps o incndio de 1978 que destruiu boa parte das instalaµes e do acervo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio), o cr­tico de arte M¡rio Pedrosa imaginou o Museu das Origens, que segundo ele, deveria ser composto por cinco museus interligados: Museu do ndio, Museu de Arte Virgem (Inconsciente),  Museu de Arte Moderna, Museu de Arte Negra e Museu de Artes Populares.
Tratava-se, no final dos anos 70, de realizar um acerto histrico que a arte moderna no Brasil at ento no fizera nos seus museus, e que passava por incorporar as margens e as periferias enquanto estticas de corpo inteiro, na narrativa da arte moderna. Esta releitura foi fundamental para a derrocada da disciplina da Histria tal como tradicionalmente a conhecemos, abrindo caminho   multiplicidade de discursos fragmentados que traduzem a nossa experincia contempor¢nea.
Se a proposta de Pedrosa tivesse sido realizada, hoje ao subirmos as belas escadarias do MAM-Rio projetadas pelo arquiteto Eduardo A. Reidy, chegar­amos ao piso superior e certamente poder­amos ver esse jogo de avanos e recuos, de seduµes e de divrcios que desde muito cedo se deu entre aquilo a que chamamos cultura erudita e arte dos no-artistas, na qual tambm se inserem as culturas populares.
A proposta no foi adiante, mas a reflexo cr­tica mantm-se pertinente. A sua ideia de rasurar hierarquias e fundar di¡logos abriu o nosso olhar a novas categorias estticas, objetos, gestos e imagens considerados at ento interditos no mundo da arte.
Ainda assim, e conquistadas muitas batalhas importantes no temos a guerra ganha. ‰ comum a sensao de esgotamento da produo art­stica contempor¢nea, e face a essa situao generalizada necess¡rio dar respostas que possibilitem a oxigenao dos velhos discursos. Curiosamente as produµes dos artistas naive, populares, alienados tm vindo a suscitar um interesse cada vez maior, neste processo.
Muito nos distancia do modo como as vanguardas assimilaram os velhos primitivos. Na verdade, j¡ no estamos a olhar a arte dos alienados da forma que Hans Prinzhorn o fez, nem procurando nas cores populares novidades para a paleta modernista. Aquilo que, julgo, ainda se processa neste vai-e-vem incessante que existem possibilidades de expanso da arte dentro desta troca de olhares.
O trabalho de Kristofer Paetau nesta exposio arguto ao apontar alguns questionamentos. Uma vez mais tira-nos da rede onde est¡vamos tranquilamente a descansar, com fina ironia e sarcasmo.
No a primeira vez que aborda o objeto arte, mercado ou histria, bem pelo contr¡rio. Conjuntamente com Ondrej Brody, tem vindo a constituir um conjunto de utens­lios cr­ticos que vale a pena revisitar.
Cordel de Arte Contempor¢nea Brasileira o seu ltimo trabalho, desta vez a solo, mas fruto de uma rede de colaboraµes e parcerias significativas.
O cordel um gnero liter¡rio popular de rima muito disseminado nas feiras do Nordeste do Brasil, onde os cordelistas se apresentam com as suas msicas e os seus folhetos, satirizando as mais diversas tem¡ticas, do quotidiano   pol­tica internacional.
Para a realizao deste trabalho Paetau convidou Isael de Carvalho, autor de famosos cordis na Feira de S. Cristovo (Rio de Janeiro), para juntos criarem um guio sobre 5 artistas fundamentais da arte brasileira: L. Clark, H. Oiticica, N. Leirner, A. Barrio, Cildo Meireles, Tunga e Ernesto Neto. Miguel Bezerra o repentista que d¡ a voz   ao bem-humorada destes personagens, cujo v­deo se desenrola no MAM-Rio, importante museu que tem nas suas coleµes trabalhos dos artistas brasileiros referidos.
A narrativa cumpre, na preciso, os cdigos da mtrica e da rima do cordel, e denota que a sua construo foi fruto de um estudo da matria.
De toda a sequncia uma conexo nos fica registrada. Miguel Bezerra dentro do MAM-Rio a cantar Hlio Oiticica, o pai herico, que na mostra Opinio 65 (1965) foi proibido de entrar no museu conjuntamente com os passistas da escola de samba da Mangueira. Uma conexo que revela um paradoxo. Por um lado, as condiµes de possibilidade e de expanso da arte, no caso atravs da intertextualidade e do uso da tecnologia. Por outro, que no deixamos de ser modernos, no jogo de apropriaµes e divrcios que ainda se d¡ entre diferentes expressµes culturais.
Dos impasses vivemos.

Texto de Marta Mestre, curadora da exposio „Cordel da Arte Contempor¢nea Brasileira de Kristofer Paetau“ no Espao Cultural Municipal Srgio Porto, Rio de Janeiro, 2012.

Texto do Cordel da Arte Contempor¢nea Brasileira:

Introduo: Poticas Poticos

Procurar novos caminhos
para expressar a arte
da inquietao humana
na certa sempre fez parte,
cada artista se expressa
portando seu estandarte.

No caso das artes pl¡sticas
veio o neoconcretismo
reagindo ao ortodoxo,
insens­vel concretismo
contrariando atitudes
do antigo positivismo.

Fim da dcada de cinquenta
nasceu esse movimento,
brasileiro genu­no
de legitimo fundamento,
da mistura desse povo
um nobre documento.

A fam­lia e a p¡tria
nas  exposiµes do mundo
de arte contempor¢nea
leva ao pensar profundo
das poticas e do potico
daqui do Rio oriundo.

Na arte brasileira
tem um termo onipresente
que deveras me incomoda
por no ser conveniente.
Em discurso acadmico
se tornou um termo endmico
falado continuamente.

Ningum parece saber
de onde foi que surgiu
a palavra que do nada
algum louco sugeriu.
Nem seu significado
nunca foi bem explicado,
mas muita gente engoliu.

Das poticas poticos
at mesmo em editais
j¡ se falam definindo
nossas artes visuais.
Pra surpresa do ouvinte
esse termo que acinte
surge at nas bienais.

Me parece que as poticas
tomou conta no geral,
fotografia, escultura,
toda arte visual.
Hoje tudo potica
ficou de lado a esttica,
no acho isso legal.

Eu considero um crime,
essa minha opinio,
verdadeira poesia
carece de inovao.
O potico do passado
hoje banalizado,
tem outra conotao.

Hoje em dia no Brasil
eu acho estranho demais,
ao fazer o seu mestrado
no artes visuais.
Arte virou poticas
e nessas trocas patticas
a arte andou pra tr¡s.

Esse termo est¡ bem longe
de ser uma teoria
para generalizar
toda e qualquer poesia.
Nas belas artes bem menos
do que nos outros terrenos
esse termo tem valia.

Se Horacio e Aristteles
ao termo fez referncia,
no quer dizer que devamos
deturpar a sua essncia.
Por um medo das estticas
se tornou ento poticas:
poesia teve falncia.

Lygia Clark: a me experimental

A mineira Lygia Clark,
a me experimental,
a participao pblica
achava fundamental
nas obras que ela criou
de cunho sensorial.

Se dizia no-artista
essa grande escultora
e que alm de tudo era
uma ex­mia pintora,
sendo objeto de estudo
pra uma pesquisadora.

Maria Alice Millet
pesquisou e concluiu
que a Lygia Clark o seu
grande nome construiu
desmistificando a arte
a sua obra fluiu.

Sua obra interativa
provocava emoµes
quem dela participava
tinha grandes sensaµes,
as suas obras propunham
profundas percepµes.

Hlio Oiticica: o pai herico

Na arte contempor¢nea
logo se sabe quem
o seu nobre pai herico
que fez do parangol
um marco no meu Brasil
igual aos gols de Pel.

Grande Hlio Oiticica
que ao morro da Mangueira
se integrou fazendo arte
cem por cento brasileira,
trazendo as inovaµes
para a estao primeira.

Quase toda sua obra
um incndio destruiu,
um acervo milion¡rio
que igual nunca se viu,
preju­zo imensur¡vel
que o mundo todo sentiu.

Mas a genialidade
que marcou a trajetria
desse artista incompar¡vel
no sair¡ da memria
de quem admira arte
e a registra na histria.

Nelson Leirner: o padrinho pop

A arte contempor¢nea
tem tambm o seu padrinho,
o genial Nelson Leirner.
Que j¡ nasceu no caminho,
v¡rios parentes artistas
nascido no mesmo ninho.

Um criador de polmicas
de espirito vanguardista,
buscando atingir as ruas
botou sua obra a vista
provocando indagaµes
sobre a obra do artista.

Ao regime militar
Nelson Leirner criticou
e ao sistema de arte
com fineza ironizou,
uma obra interativa
o juizado censurou.

Usando coisas comuns
compradas at na feira,
criava penduricalhos
parecendo brincadeira,
mas a coisa era sria,
arte muito brasileira.

Artur Barrio: o filho adotivo

Eu sou defensor ferrenho
da arte bem brasileira,
por muitas vezes critico
a invaso estrangeira,
mas se arte relevante
esqueo qualquer fronteira.

Artur Barrio artista
que luso-brasileiro,
nascido em Portugal
mas no Rio de Janeiro
vive e faz a sua arte
se espalhar no mundo inteiro.

Com materiais org¢nicos
realiza intervenµes
nos espaos das cidades
causando admiraµes
em quem v as suas obras
de grandes repercussµes.

A obra Livro de Carne
se tornou bem conhecida,
em Paris e em So Paulo
com sucesso exibida,
quem sabe por ser efmera
como a prpria vida.

Cildo Meireles: o filho prdigo

Na arte contempor¢nea
o Cildo Meireles tem
grande reconhecimento
que vai mesmo muito alm
das fronteiras das Amricas
e da Europa tambm.

Esse artista carioca
ao dez anos de idade
se mudou para Bras­lia
e teve a felicidade
de esculturas e m¡scaras
ver na universalidade.

Essas preciosidades
produzidas em Dakar,
fizeram Cildo Meireles
por elas se admirar
e o Grupo Neoconcreto
conheceu para somar.

Criticando a ditadura
esse artista atuou,
no projeto Coca-Cola
a sua arte inovou,
a frase yankees go home
na garrafa registrou.

Tunga: o filho querido aguerrido

Ant´nio Jos de Barros,
como Tunga conhecido,
escultor, desenhista,
um ator bem aguerrido,
tambm fez arquitetura
esse filho to querido.

‰ filho do escritor
Geraldo Melo Mouro,
tratou de temas ousadas
como a masturbao,
ainda mais sendo infantil
trouxe ao tema ateno.

Peas tridimensionais
realiza com sucesso,
correntes, fios e l¢mpadas
fazem parte do processo
de criao desse gnio
cada vez com mais progresso.

Seja nas curvas de tnel,
seja um simples tecido
ou nas tranas dos cabelos
as artes ganham sentido
se o artista destinado
a ser bom, ser conhecido.

Ernesto Saboia: o Neto bem sucedido

Artista bem sucedido
Ernesto Saboia Neto,
suas obras abstratas
lhe traz sucesso concreto,
mostrando finas membranas
fixadas pelo teto.

Usando malhas translcidas
que  s vezes so preenchidas
com v¡rias especiarias
cheirosas e coloridas,
com pequenas aberturas
para serem mais sentidas.

Tambm cria labirintos
no qual cada visitante
pode entrar, interagir,
a todo e qualquer instante,
aluso ao corpo humano
na sua obra constante.

Ernesto participou
de diversas bienais,
pelos cinco continentes
registrando nos anais
da arte contempor¢nea
seu nome entre os demais.